De que forma o EIL pode transformar o L2 danificado em um supercomputador?

No artigo anterior da série Interop, apresentamos o Open Intents Framework (OIF)—uma linguagem universal que permite ao usuário expressar intenções como “Quero comprar um NFT cross-chain” e possibilita que solvers em toda a rede compreendam essas solicitações (confira Quando “Intent” se torna padrão: como o OIF acaba com a fragmentação cross-chain e devolve a intuição do usuário ao Web3? para mais detalhes).

Entender a intenção, porém, é só o primeiro passo; a execução é indispensável. Depois de expressar sua intenção, como seu capital é transferido com segurança de Base para Arbitrum? Como a blockchain de destino valida sua assinatura? Quem cobre as taxas de gas na rede de destino?

É nesse contexto que surge o núcleo da fase de “Aceleração” no roadmap de interoperabilidade da Ethereum—o Ethereum Interoperability Layer (EIL). No último Devconnect, o time de Account Abstraction da Ethereum Foundation trouxe o EIL para o centro das discussões.

Na prática, o EIL busca proporcionar uma experiência fluida ao usuário entre todas as Layer 2s—fazendo parecer que são uma única blockchain—sem necessidade de hard fork ou mudanças no consenso base da Ethereum.

I. O que é EIL?

Para entender o EIL, não se deixe confundir pelo termo “Layer”. O EIL não é uma nova blockchain nem uma ponte cross-chain tradicional.

Em essência, trata-se de um conjunto de padrões e frameworks que une Account Abstraction (ERC-4337) à comunicação cross-chain, formando um ambiente virtual de execução unificado.

Hoje, cada Layer 2 no ecossistema Ethereum funciona como uma ilha isolada. Por exemplo, sua conta (EOA) na Optimism e sua conta na Arbitrum podem ter o mesmo endereço, mas seus estados são totalmente independentes:

• Assinaturas na blockchain A não podem ser verificadas diretamente na blockchain B.
• Ativos na blockchain A são invisíveis para a blockchain B.

O EIL busca romper esse isolamento com dois componentes principais:

• Contas inteligentes baseadas no ERC-4337: Account abstraction separa a lógica da conta das chaves. O Paymaster resolve a falta de gas na blockchain de destino, enquanto o Key Manager viabiliza a sincronização de estados entre várias redes.
• Camada de mensagens com confiança minimizada: Este padrão permite que UserOps (operações do usuário) sejam agrupadas e transmitidas com segurança para outras blockchains via pontes oficiais de rollup ou provas de light client.

Pense assim: operações cross-chain tradicionais são como viajar para o exterior—é preciso trocar moeda (ativos cross-chain), solicitar visto (nova autorização) e seguir regras locais (comprar gas na rede de destino). Na era do EIL, a atividade cross-chain se torna parecida com usar um cartão Visa:

Não importa onde você esteja, basta passar o cartão (uma única assinatura) e a rede bancária por trás (EIL) cuida automaticamente da conversão, liquidação e validação. Você nem percebe as fronteiras.

A proposta de EIL do time de Account Abstraction da Ethereum Foundation projeta um futuro em que usuários realizarão transações cross-chain com apenas uma assinatura—sem relayers centralizados, sem suposições extras de confiança. O usuário inicia a transação diretamente da wallet e liquida de forma integrada entre as Layer 2s.

Isso se aproxima do conceito máximo de account abstraction. Em vez das operações fragmentadas e complexas de hoje, essa abordagem permitirá ao usuário criar contas automaticamente, gerenciar chaves privadas e realizar transações cross-chain avançadas com facilidade.

A account abstraction (AA) nativa transforma qualquer conta em uma smart account. O usuário deixa de se preocupar com taxas de gas—ou até mesmo de saber que elas existem—focando totalmente na experiência on-chain e na gestão de ativos.

II. De “Cross-Chain” para “Chain Abstraction”: Uma mudança de paradigma

Com o EIL, pode-se fechar a última lacuna para a adoção em massa do Web3. Isso marca a transição da Ethereum da competição entre múltiplas blockchains para a abstração de redes, trazendo soluções para os principais desafios de usuários e desenvolvedores.

Para o usuário, isso representa uma experiência realmente “single-chain” unificada.

Com o EIL, o usuário não precisa mais trocar de rede manualmente. Por exemplo, se seus fundos estão na Base e você quer jogar na Arbitrum, basta clicar em iniciar no game. A wallet pede uma assinatura; você assina e o jogo começa.

No backend, o EIL empacota automaticamente seu UserOp da Base, transmite para a Arbitrum pela camada de mensagens e o Paymaster cobre taxas de gas e entrada. Para você, é tão simples quanto jogar na Base.

Em termos de segurança, isso elimina o ponto único de falha das pontes multisig.

Pontes cross-chain tradicionais dependem de validadores externos (multisig). Se hackers comprometem esses validadores, bilhões em ativos ficam vulneráveis. O EIL prioriza a minimização de confiança, aproveitando a segurança nativa das Layer 2s (como storage proofs) para validar mensagens cross-chain, sem depender de terceiros. Enquanto o mainnet da Ethereum estiver seguro, as interações cross-chain serão protegidas.

Para desenvolvedores, o EIL oferece um padrão de conta unificado. Hoje, criar um DApp multi-chain exige múltiplos conjuntos de lógica. Com o EIL, o desenvolvedor assume que o usuário tem uma conta universal e só precisa implementar interfaces ERC-4337—sem rastrear em qual rede estão os fundos.

Mas, para essa visão se tornar realidade, há um grande desafio: Como centenas de milhões de usuários EOA existentes podem aproveitar essa experiência? (Confira De EOA para Account Abstraction: O próximo salto do Web3 será no “sistema de contas”? para mais detalhes.)

A migração de EOA para AA exige que o usuário mova ativos para um novo endereço—um processo trabalhoso. A proposta EIP-7702 de Vitalik Buterin resolve as disputas de compatibilidade entre EIP-4337, EIP-3074 e EIP-5003 ao permitir que EOAs existentes se “transformem” temporariamente em contas de smart contract durante transações.

Com essa proposta, não é preciso registrar uma nova wallet ou transferir ativos da wallet atual (como imToken) para um endereço AA. O EIP-7702 permite que sua conta atual ganhe temporariamente recursos de smart contract—como autorização em lote, patrocínio de gas e operações cross-chain atômicas. Depois da transação, ela volta ao estado original de EOA, mantendo total compatibilidade.

III. Implementação e futuro do EIL

Diferente da abordagem comunitária do OIF, o EIL é liderado pela equipe de Account Abstraction da Ethereum Foundation—criadora do ERC-4337—o que lhe confere caráter oficial.

O progresso atual foca em três áreas críticas:

• Expansão multi-chain do ERC-4337: A comunidade explora como estender o UserOp para incluir informações cross-chain, como IDs de rede de destino—passo fundamental para contas inteligentes cross-chain.
• Integração com o ERC-7702: Com o avanço do EIP-7702, usuários EOA comuns poderão acessar o EIL de forma transparente, reduzindo drasticamente as barreiras de entrada.
• Interfaces padronizadas de mensagens: Assim como o OIF padroniza intenções, o EIL padroniza a transmissão de mensagens. Projetos como Superchain da Optimism, AggLayer da Polygon e Elastic Chain da ZKsync exploram interoperabilidade em seus ecossistemas, enquanto o EIL visa conectar essas redes em uma camada universal de mensagens.

Além da conectividade, o EIL encara um desafio essencial: privacidade.

Se EIP-7702 e AA resolvem a acessibilidade, o framework de privacidade Kohaku de Vitalik—anunciado no Devconnect—pode ser o próximo passo do EIL, ecoando o princípio do “Trustless Manifesto” de resistência à censura.

No Devconnect, Vitalik afirmou: “privacidade é liberdade”, destacando o caminho de atualização da Ethereum para entregar privacidade e segurança reais. A Ethereum Foundation reuniu uma equipe de privacidade com 47 pesquisadores, engenheiros e criptógrafos dedicados a tornar a privacidade uma propriedade fundamental da rede.

Isso significa que, no futuro, a proteção de privacidade será tão natural e integrada quanto a transferência de ativos. O framework Kohaku é um passo-chave—usando sua chave pública para gerar um endereço stealth temporário, permitindo operações privadas sem expor vínculos com sua wallet principal.

Com esse design, contas AA futuras serão não só ferramentas de gestão de ativos, mas também escudos de privacidade.

Ao integrar protocolos como Railgun e Privacy Pools, contas AA permitirão ao usuário fornecer “prova de inocência” para compliance, protegendo a privacidade das transações. Qualquer usuário poderá provar a legitimidade dos fundos sem expor detalhes de gastos ao público.

Isso coloca o roadmap de interoperabilidade da Ethereum em evidência:

• OIF (Intent Framework): Dá à camada de aplicação capacidade para entender as necessidades do usuário.
• EIL (Interoperability Layer): Estrutura a infraestrutura para execução integrada.

Este é o sinal da Ethereum Foundation: a Ethereum não deve ser uma federação solta de Layer 2s, mas um supercomputador global unificado.

Com o EIL plenamente implementado, novos usuários talvez nunca precisem aprender o que são Layer 2s ou pontes cross-chain. Eles enxergarão apenas ativos—sem barreiras entre redes.

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